sexta-feira, 22 de março de 2013

Robert Silverberg — A História de Plutão (Conto)

Sol visto de Plutão

A História de Plutão

Robert Silverberg

"A descoberta de vida extraterrestre foi o evento chave do terceiro milênio".

A descoberta de vida em Plutão no ano de 2668 causou a maior reavaliação pela humanidade do seu lugar no universo desde o tempo de Copérnico, mais de mil anos antes. Os cálculos astronômicos de Nicolau Copérnico (1473-1543) foram os que derrubaram a velha teoria de Ptolomeu do sistema solar heliocêntrico e mostrou que a Terra não era o centro do universo, mas, na verdade que ela orbita ao redor do Sol.

A obra de Copérnico minou a primazia da visão bíblica do universo e ajudou a enfraquecer o poder da Igreja sobre o pensamento científico na Europa medieval. No entanto, a falta de evidência de vida em outros mundos, mesmo após o início da exploração espacial, reforçou a crença de que a Terra é o único caso.

A descoberta no século XX de compostos orgânicos em meteoritos originários de Marte sugerem que o planeta vermelho poderia ter sido uma vez capaz de suportar a vida, mas exames posteriores não confirmaram isso. A descoberta seguinte, no mesmo século, de um oceano global embaixo da superfície congelada da lua de Júpiter, Europa, reavivou especulações de que poderia conter formas de vida primitivas, mas, mais uma vez, provaram serem falsas. E foi amplamente demonstrado que os numerosos registros das visitas de seres inteligentes extraterrestres na Terra, fato comum durante a segunda metade do século XX, não era outra coisa senão a manifestações da irracionalidade popular.

Portanto, no meio deste século, muitos de nós estavam convencidos novamente de que a Terra era o único lugar no universo em que tinha ocorrido o milagre da vida. Não houve uma restauração da opinião eclesiástica de que havia sido um ato especial da criação: em vez disso, pensa-se geralmente que aqui na Terra haja acontecido um evento único e incrivelmente raro, onde as moléculas cegas e livres, dentro de uma estrutura biológica, foram capaz de persistir e replicar-se. Só isso foi o suficiente para gerar um tipo de crença pré-copernicana mística sobre a singularidade da vida na Terra. Enquanto alguns iconoclastas avisaram que isso poderia levar à complacência e, finalmente, a decadência; a ausência de provas foi o suficiente para neutralizar seus argumentos. Portanto, continuar a exploração do espaço parecia inútil, e isso durou o período deplorável de 200 anos, portanto só começou por volta de 2400. 


Depois veio a chamada Segunda Renascença do século XXVII, trazendo com ela grande prosperidade e um ressurgimento da curiosidade científica. Os planetas internos foram revistos após uma ausência de quatro séculos, e preparou-se a primeira viagem aos exteriores, culminando com a expedição de 2668 a Plutão e à assombrosa descoberta das criaturas que vivem lá. "Plutão está vivo", foi a mensagem surpreendente, inesquecível dos viajantes que descreveram as criaturas como caranguejos, milhares deles à luz cintilante e fria do dia em Plutão, espalhados, como pedras ao longo da praia em um mar de metano, com cascas grossas, textura macia e cinzenta de cera e um grande número de pernas articuladas. Sem sinais de vida em si, mesmo quando foram molestados. Mas alguns dias depois, veio a noite fria plutoniana, trazendo com isso uma queda a dois graus Kelvin, e começaram a rastejar lentamente. Obviamente, o seu estado habitual era uma longa letargia, exceto em temperaturas alguns graus acima do zero absoluto.

A dissecação de um espécime capturado mostrou um interior feito de fileiras de tubos estreitos compostos de silício e reticulados de cobalto. Se identificou o fluido que circula através dessas estruturas como o hélio-2, a condição rara, livre de atrito, o que só é encontrada em temperaturas extremamente baixas típicas da noite em Plutão. O hélio-2 torna possivel o fenômeno conhecido como supercondutividade: a persistência indefinida das correntes elétricas que fluem através de um meio sem resistência. A conclusão óbvia é que o princípio energético das criaturas de Plutão era a supercondutividade: sendo um modo de vida que só poderia existir em Plutão e agir apenas à noite plutoniana.

Mas eram verdadeiras formas de vida? Após a descoberta se argumentou que as coisas parecidas com caranguejos eram nada mais do que máquinas, meros dispositivos concebidos para funcionar a temperaturas superfrias, deixados para trás, talvez por exploradores de outras partes da galáxia. Um estudo posterior, no entanto, indicou que as criaturas desenvolveram funções metabólicas características da vida. Puderam ser observadas alimentando-se de metano e excretando compostos orgânicos. Também se observou exemplos aparentes de reprodução por brotamento. Hoje não temos dúvida de que as criaturas plutonianas se encaixam em nossa definição de vida autêntica. O mito de que a Terra é única no universo foi destruído para sempre, e todos nós estamos familiarizados com as consequências sociais e filosóficas disso. Mas, os plutonianos são autênticos nativos do mundo congelado onde foram descobertos, ou são apenas sentinelas colocados lá por espécies superiores de outras estrelas, que irão retornar um dia para esta parte da galáxia? Três séculos depois e essa pergunta continua sem resposta, e só podemos observar e esperar.


Tradução de Herman Schmitz